CPT (Comité para a Prevenção da Tortura) – O Presidente do CPT (Mauro Palma) apela ao fim da impunidade para os autores de tortura - 10/11/2009

Strasbourg, 06.11.2009 - The President of the Council of Europe Committee for the Prevention of Torture (CPT), Mauro Palma, today called on countries to take effective measures to end the practice of impunity in Europe for State officials suspected of perpetrating acts of torture and ill-treatment, a problem encountered by the CPT in many countries.

“The credibility of the prevention of torture is undermined each time officials responsible for such offences are not held to account for their actions”, he said. "It's time to move firmly on this issue and it’s time to end it," he said in a press briefing held in Strasbourg on the margins of the conference marking the CPT’s 20th anniversary.

Mr. Palma, who has himself visited many detention facilities as a member of CPT delegations, also pointed to the growing problem of overcrowding in prison systems throughout Europe.

“Simply building more prisons is not the solution; interrelated measures looking at, for example sentencing guidelines, community sanctions, conditional release should be put in place to overcome the phenomenon of overcrowding. Otherwise, overcrowding will continue to jeopardise both the safe running of prisons and the rehabilitation of individual offenders,” he said.

With around half a million irregular migrants entering European countries annually, the issue of safeguards for immigration detainees has become another priority area of activity for the CPT.

“Irregular migrants are particularly vulnerable to various forms of ill-treatment and unfortunately there are still far too many instances where the CPT comes across places of deprivation of liberty for irregular migrants which are totally unsuitable,” said Mr. Palma.

“States should be selective when exercising
their power to deprive them of their liberty and every effort should be made to avoid it when it comes to minors,” said the CPT President, adding that in the most recent General Report, the Committee has set out its views on the safeguards that should be adopted for this group of persons.

During the briefing, Mauro Palma also acknowledged that States sometimes see a tension between their obligation to protect their citizens, for example, against acts of terrorism, and the need to uphold basic values. “For the CPT, striking the right balance is misguided when talking about the prohibition of torture. It is only by defending those values which distinguish democratic societies from others that Europe can best guarantee its security.”

In response to a question, Mr Palma recalled that the CPT had examined the application of surgical castration on sentenced sex offenders in the Czech Republic, and found that it amounted to degrading treatment. The Committee has called upon the authorities to end immediately its use. He added that it was an “invasive, irreversible and mutilating” measure which had no place in Europe today.

Mr. Palma also stated that the issue of restraints in psychiatric establishments remained of particular concern for the CPT. “A patient should only be restrained as a measure of last resort and for the shortest period possible. The time is ripe for every psychiatric establishment in Europe to have a comprehensive, carefully developed, policy on this question,”

Finally, Mr Palma reflected on the 20 years of the existence of the CPT and the reputation of the Committee as an independent professional body monitoring places of detention in Europe. “The total eradication of torture in the European continent may never come but it can certainly be combated successfully and reduced to a marginal phenomenon. The CPT will continue to play its part working with the relevant actors in the countries it visits.” he concluded.

Fonte: http://www.cpt.coe.int/en/annual/press/2009-11-06-eng.htm

A tortura torna mais difícil recordar o passado e dizer a verdade - 01/10/2009 (Público)

Segundo as ciências cognitivas, um neurocientista irlandês conclui que as informações extraídas sob tortura são tudo menos fidedignas.

É um exercício desagradável, pois exige que deixemos de lado, temporariamente, a nossa repugnância em sequer considerar que a tortura possa ser uma prática aceitável. Mas por breves instantes, enquanto dura a leitura do texto publicado há pouco mais de uma semana por Shane O"Mara, psicólogo do Trinity College de Dublin, na revistaTrends in Cognitive Science, é preciso esquecer que a tortura é ética e moralmente inaceitável, para além de ilegal - e considerar apenas a seguinte questão: será que a tortura serve para arrancar a verdade a uma pessoa? Mais precisamente, terá a aplicação das chamadas "técnicas avançadas de interrogatório" utilizadas durante a era Bush, na sequência dos atentados de 11 de Setembro de 2001, levado os suspeitos terroristas interrogados a revelar informações certas, supostamente indispensáveis para impedir mais atentados, mais mortos, mais terror? A resposta de O"Mara é simples: é totalmente errado alegar que a verdade sai da boca dos torturados. Os argumentos nesse sentido não passam de psicologia barata, de neurobiologia de café, e não resistem ao escrutínio científico à luz da neurociência moderna. Porquê? Porque pela sua natureza extrema, tais métodos de interrogatório perturbam profundamente o funcionamento e até danificam fisicamente os centros cerebrais implicados nos processos da memória humana. Ou seja, destroem a capacidade de os torturados se lembrarem do que sabem, dificultando precisamente aquilo que os torcionários pretendem: obrigá-los a revelar os planos secretos de futuros atentados.

Interrogatórios avançados Em que consistem os "interrogatórios avançados", também designados como "coercivos"? Uma série de memorandos, tornados públicos em Abril passado pelo Departamento da Justiça norte-americano, descreve cruamente e em pormenor as técnicas utilizadas nos interrogatórios de suspeitos de terrorismo durante a administração Bush. Entre os procedimentos mais extremos, owaterboarding, de que tanto se tem falado, consiste em "amarrar firmemente o suspeito a um banco inclinado (...) e a cobrir-lhe a cara com um pano. Despeja-se água em cima do pano de forma controlada (...) de maneira a restringir a entrada de ar
durante 20 a 40 segundos (...), o que produz (...) uma impressão de afogamento". Khalid Sheikh Mohammed, considerado o autor do plano dos atentados às Torres Gémeas de Nova Iorque e ao Pentágono, foi submetido 183 vezes a esta forma de tortura no seu primeiro mês de interrogatório; Abu Zubaydah, um outro suspeito referido nos memorandos, 83 vezes.

Há ainda outros métodos, igualmente destinados a criarstressfísico e psicológico extremos, tais como fechar o prisioneiro numa caixa de pequenas dimensões, às escuras, durante horas, ou numa caixa maior durante quase um dia. Ou, ainda, explorar as fobias conhecidas dos suspeitos, como no caso de Zubaydah, onde conforme revelam os memorandos se considerou a possibilidade de introduzir insectos na caixa de confinamento, dado o seu medo irracional destes animais. Os suspeitos também foram submetidos aowalling, que consiste em "puxar o detido para a frente e depois atirá-lo, rapidamente e com força, contra uma parede" flexível, provocando um grande estrondo que exacerba ainda mais a sensação de choque e de surpresa. Contactado por emailpelo P2, O"Mara explicou-nos porque é que se interessou pelo assunto: "Quando li os artigos que saíram na imprensa [na altura], tive a nítida impressão de que existia, por detrás [das técnicas utilizadas], um modelo não explicitado da forma como o cérebro responde aos estados geradores destress extremo, e que pressupõe que esses estados em nada afectam a memória - pelo contrário, até fazem com que o [interrogado] se lembre mais facilmente da informação que possui. Isto levou-me a ler os memorandos para ver qual era o modelo neurocognitivo subjacente ali apresentado e a tentar analisá-lo do ponto de vista da neurobiologia cognitiva." Não foi uma espécie de jogo perverso: "O que tentei fazer no meu artigo", diz-nos ainda O"Mara, "não substitui os argumentos morais e legais; apenas me limitei a testar os pressupostos que estão por detrás" dos métodos de interrogação coerciva.


Stress
extremo O"Mara conclui dessa leitura aprofundada que os torcionários acreditam que, para pôr fim à espiral destress, ansiedade, desorientação e falta de controlo induzida pelas diversas técnicas coercivas, o suspeito interrogado só pode contar a verdade, toda a verdade e apenas a verdade. Ora, isso vai contra tudo o que sugerem as neurociências, onde existe um vastocorpusde resultados, tanto em humanos (nomeadamente em soldados destacados para operações especiais), como em animais, sobre os efeitos dostressextremo no funcionamento cognitivo. "Os dados científicos sólidos acerca dos efeitos, na memória e nas funções executivas (planificação ou formação de intenções), dostress e da dor repetidos e extremos", escreve o O"Mara, "sugerem que estas técnicas têm provavelmente o efeito oposto daquele que se pretende obter com os interrogatórios coercivos ou "avançados"."
 
No cérebro humano, o hipocampo (uma estrutura interna) e o córtex pré-frontal (o córtex é a camada exterior do cérebro, onde decorrem os processos mentais mais evoluídos) são essenciais ao normal funcionamento da memória. Ora, ostressprovoca a libertação no organismo de hormonas como o cortisol ou a noradrenalina e, justamente, tanto o hipocampo como o córtex pré-frontal, são ricos em receptores destas hormonas. E sabe-se que, quando elas se ligam a esses receptores de forma prolongada (devido, neste caso, à manutenção prolongada do estado destressextremo induzido pela tortura), "isso põe em causa o normal
funcionamento dos neurónios", escreve O"Mara, podendo mesmo acarretar "perda de tecido" nestas estruturas cerebrais. E confirma ainda noemailque "há toda uma literatura acerca dostresspós-traumático e sobre a hipercortisolemia [excesso de cortisol no sangue] que mostra que ostressextremo e prolongado ou a exposição crónica às hormonas dostress podem provocar uma redução do volume do hipocampo". O waterboardingsurte os seus efeitos, quanto a ele, através do aumento dos níveis de dióxido de carbono e da diminuição dos níveis de oxigénio no sangue. "Os resultados de imagiologia do cérebro", escreve ainda O"Mara no seu artigo agora publicado, "sugerem que [o excesso de CO2] e a sensação de falta de ar associada fazem aumentar a actividade cerebral de forma generalizada, incluindo nas regiões associadas aostresse à ansiedade (como a amígdala e o córtex pré-frontal) e também à dor. Estes dados sugerem que owaterboarding(...) tem o potencial de provocar alterações generalizadas do cérebro induzidas pelostress, especialmente quando utilizado frequente e intensivamente." Uma outra consequência conhecida das perturbações do lobo frontal (que inclui o córtex pré-frontal) é a criação de falsas memórias. O que significa que, nestas condições, o próprio suspeito pode não só ter dificuldades em lembrar-se do que sabe, mas também pensar que está a revelar informação quando na realidade a sua memória está a enganá-lo, apropriando-se de elementos que lhe poderão ter sido, a dada altura do interrogatório, sugeridos pelos seus torcionários.

Na semana passada, a versão onlineda revistaSciencereproduzia as críticas à abordagem de O"Mara emitidas por um psiquiatra especialista dostresstraumático e da tortura. "Os argumentos de tipo "a tortura não funciona" ignoram uma importante questão moral", escrevia numemail enviado para a redacção daquela revista Metin Basoglu, do King"s College de Londres. "O que aconteceria se funcionasse? Seria então justificável utilizá-la em nome da "segurança nacional", por exemplo? Ao participar neste tipo de debate, os cientistas admitem implicitamente a validade moral de uma tal postura. E, de facto, foi essa postura que tornou possível argumentar que a "tortura ligeira" pode ser aceitável em certas condições."

O"Mara responde a estas críticas: "Tem havido um certo nível de mal-entendido em torno do meu artigo a este respeito", diz-nos. "O artigo é essencialmente uma análise das justificações pelos leigos do uso de indutores destressextremo na extracção de informação da memória humana. No entanto, os argumentos morais continuam a ser válidos, tal como a questão legal. A tortura é uma questão legal, moral e ética, não uma questão de neurociências - e é para deixar isso claro que, no meu artigo, utilizo a expressão "extremestressors"[geradores destressextremo] e não a palavra tortura. Nestes termos, acho que o que tentei fazer é razoável. No meu artigo, faço aliás notar que existem fortes objecções éticas e legais à tortura. O que pretendia fazer aqui era analisar a psicologia e a neurobiologia dos leigos, que alegam que a tortura é eficaz, para mostrar que os dados científicos contradizem esse ponto de vista popular. Como se aprende em qualquer aula de introdução à psicologia, ostressextremo e prolongado têm efeitos prejudiciais sobre os sistemas cerebrais que sustentam a memória."

Publicado por: Ana Gerschenfeld
Fonte:http://jornal.publico.clix.pt/noticia/30-09-2009/a-torturatorna-mais-dificil-recordaro-passado-e-dizer-a-verdade-17920272.htm

Choques eléctricos em hospitais portugueses - 23/09/2009 (DN)

Depois de terem sido praticamente abandonados na década de 70, os impulsos eléctricos voltaram a a ser usados nos principais hospitais do País para tratar doentes psiquiátricos. Sobretudo nas depressões graves. Em três deles, Santa Maria, Amadora-Sintra e Hospitais da Universidade de Coimbra, o tratamento é usado em cerca de 25 pacientes, o que significa uma média de 250 sessões por ano.

Os tratamentos com choques eléctricos em doentes psiquiátricos estão a regressar aos hospitais, depois de terem sido praticamente abandonados pelos seus efeitos violentos nos doentes. No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, fazem--se actualmente 300 sessões por ano, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) cerca de  250 e no Amadora-Sintra 200.

A utilização dos choques, hoje realizados com anestesia geral, divide a classe médica. Há clínicos que defendem o uso do tratamento por apresentar resultados eficazes e não ter graves efeitos secundários. Mas há outros que lembram não existir prova científica, considerando-o um acto de violência. É esta a opinião do psiquiatra  João Cabral  Fernandes. "É  um método grosseiro e desumano", alerta o especialista, sublinhando que por ser uma prática recorrente no Hospital Júlio de Matos, onde trabalha, muitas vezes recusa fazer o tratamento.

Já Maria Luísa Figueira, directora do serviço de psiquiatria do Santa Maria, garante que o método é eficaz. "Utiliza-se quando os doentes não respondem à medicação, nem ao tratamento e é uma óptima terapia para melhorar as doenças psiquiátricas", como depressões graves.

O tratamento chama-se eletroconvulsoterapia (ECT) e é feito em bloco operatório com sistema de reanimação. Segundo Maria Luísa Figueira, tem a duração de 12 sessões, duas vezes por semana. "Se o doente  reagir favoravelmente depois faz-se uma vez por mês",  diz, acrescentando que aparecem  25 doentes por ano, fazendo cada  um doze sessões.

Daniel Barrocas é um dos médicos que  usam a técnica neste hospital. "  O cérebro é sujeito a uma aplicação de choques de pequena voltagem na zona das têmporas, para provocar alterações na actividade eléctrica do cérebro", explica , acrescentando que permite um "crescimento de células cerebrais".

No Amadora-Sintra, os choques eléctricos começaram a ser aplicados em 2006. Agora,  fazem-se 200 sessões por ano. "Há 20 anos, a técnica era mais rudimentar. Hoje  há um isolamento do cérebro em relação ao músculo, evitando que as pessoas tenham convulsões", adianta Graça Cardoso, directora do Serviço de Psiquiatria daquela unidade.

A médica explica que os choques só são feitos em doentes que assinam um documento de consentimento. Certo para esta e outros médicos é que os choques salvam vidas.   "É um óptimo tratamento principalmente para depressões graves, em que as pessoas correm risco de vida por causa das tentativas de suicídio e por deixarem de comer", defende.

O método está a ser usado em quase todos os hospitais do País. "Não tenho qualquer reserva em fazer . Há doentes que estão em tal situação de agitação que é necessário", diz Pio Abreu, dos HUC.

Já no Hospital de São João, no Porto,  onde se fazem apenas três a quatro sessões por ano, os médicos são mais cépticos. " O tratamento não tem explicação cientifica elaborada", defende o director de psiquiatria do hospital,  António  Roma Torres,  admitindo,  porém, que os choques  podem ser armas eficazes contra depressões com risco de suicídio.


Publicado por Catarina Cristão (DN)

Fonte: http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1369718